Por Rodrigo Cardoso
Na Europa,
restaurantes instalados em penitenciárias oferecem iguarias sofisticadas, que
são preparadas e servidas pelos detentos
Um castelo da região
da Toscana irá abrir seus portões para um evento, no mês que vem, cujo dinheiro
arrecadado, R$ 4,2 mil, será enviado à associação beneficente brasileira Ágata
Esmeralda (que atua com iniciativas de adoção de crianças à distância). Sob luz
de velas, 120 pessoas irão saborear um jantar composto por um aperitivo, um
antipasto, dois primeiros pratos com dois tipos de massas diferentes, um
segundo prato e um doce de sobremesa. As reservas para esse dia foram feitas –
e se esgotaram – em janeiro. Sortudos? Depende do ponto de vista. O castelo,
conhecido como Fortezza Medicea, é uma construção do século XV, fica em
Volterra, próximo de Pisa, e abriga 150 condenados a penas que vão de 20 anos
de reclusão à prisão perpétua. Ali, atrás dos muros de 60 metros, acontece,
oito vezes por ano, o Jantar dos Condenados.
Na ocasião, o
restaurante do castelo fica tomado por assassinos, assaltantes e mafiosos que,
junto com um chef renomado convidado, organizam, cozinham e servem o menu para
os clientes. Abrir o restaurante da prisão para que condenados sirvam pessoas
sem dívida com a Justiça (sim, porque todos os interessados em efetuar uma
reserva devem, antes, informar o número da carteira de identidade e aguardar a
aprovação de sua ficha) é uma iniciativa que, em Fortezza, acontece desde 2006.
Devidamente trajados e treinados, os cerca de 30 presos têm a liberdade de, na
cozinha e sob olhares atentos de policiais penitenciários, manusear talheres de
metal, objetos de vidro e produtos com álcool. No ambiente onde o jantar é
servido, porém, os talheres são de plástico.
Nenhuma ocorrência
foi registrada com os 50 detentos que já trabalharam no restaurante. Cada um
deles recebe R$ 70 por jantar e são avaliados a cada evento. “A atividade
também é parte de um processo de reeducação que, se considerado positivo, dá
direito a uma redução de pena a cada seis meses”, explica Paolo Iantosca,
inspetor de polícia penitenciária do local. Cerca de dois mil clientes já
desembolsaram R$ 80 para provar o menu fixo. Todos, porém, só puderam sentar à
mesa depois de deixar seus celulares, casacos e objetos cortantes fora do
restaurante. Procedimento de segurança idêntico acontece no inglês The Clink, o
primeiro restaurante comercial de luxo a funcionar dentro de uma prisão daquele
país, no caso a Her Majesty’s Prision, em Surrey.
Lá, o chef e o maître
são ex-detentos que cumpriram pena por tráfico de drogas. Profissionalizaram-se
e, hoje, também ensinam colegas e ex-colegas de cela os segredos da gastronomia
sofisticada. Só no ano passado, 38 presos receberam treinamento. Atualmente, 20
deles servem as iguarias, como o filé de robalo grelhado com cebolinha, soja,
limão e gergelim, acompanhado de arroz de coentro e bolo de cenoura. Muitos
desses ingredientes vêm da horta da prisão. Com capacidade para 85 pessoas, o
The Clink está instalado no local há dois anos e abre as portas para o café da
manhã e o almoço. No andar de cima há, ainda, uma área privada para 20 pessoas
que pode ser reservada para reuniões, eventos e jantares.
Para o chef Sergio
Arno, do La Vecchia Cucina, tal iniciativa não daria certo no Brasil. “Lá fora,
as coisas funcionam porque existem regras e elas são aplicadas”, diz ele, que
já visitou comunidades ensinando os segredos da gastronomia para jovens carentes
e ex-drogados. “Nós somos preconceituosos. Algum cliente iria querer ser
atendido por um assaltante ou assassino, no Brasil?” Para o inspetor italiano
Iantosca, o Jantar dos Condenados é uma experiência positiva. “Passar uma noite
jantando no cárcere serve para aproximar-se daqueles que erraram na vida, mas
têm a intenção de retornar à sociedade sem cometer erros semelhantes.”
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