Eu não era o tipo de pessoa que viajaria 640
quilômetros em busca da ervilha perfeita. Porém, em busca da primavera, parti
com Jean-Claude Ribaut, crítico de gastronomia do jornal francês Le Monde, em
uma viagem de um dia para Paris, mais especificamente ao restaurante e hotel
L'Oustau de Baumanière, avaliado com duas estrelas pelo guia Michelin, ao pé da
colina onde fica o povoado medieval de Les Baux-de-Provence. No automóvel desde
a estação de trem de Avignon, passamos em frente ao mausoléu e arco do triunfo
galo-romano perto de St.-Rémy-de-Provence. Cortamos caminho por mares de
oliveiras e subimos e descemos colinas estreitas e sinuosas de rochas calcificadas
até o nosso destino.
Há muito tempo, quando o fundador e chef de cozinha do
L'Oustau, Raymond Thuilier, estava vivo, o restaurante tinha três estrelas.
Naquela época, pessoas como a rainha Elizabeth, Deng Xiaoping e Pablo Picasso
jantavam e dormiam ali. Jean-Andre Charial, neto de Thuilier e proprietário do
L'Oustau, mostrou-me fotografias antigas, inclusive as de um jovem e promissor
líder árabe chamado Saddam Hussein, que se hospedou lá por três dias em 1975.
Há fotos de Hussein e Jacques Chirac, então primeiro-ministro, conversando em
uma mesa no jardim do L'Oustau, e de Hussein com um terno trespassado com
listras largas sentado com Bernadette Chirac, a primeira-dama, em uma tourada
na vizinha Nimes. Ele sorri.
Mas voltemos às ervilhas. Ribaut havia me explicado que
estávamos no auge da temporada, e por isso teríamos que fazer uma peregrinação
de manhã bem cedo até a fonte. L'Oustau já tinha uma horta própria há 30 anos,
muito antes disso se tornar moda nos Estados Unidos. As ervilhas vão da horta,
de manhã, à mesa, na hora do almoço. As ervilhas têm um lugar especial na
cultura e culinária francesa. Elas foram uma das primeiras culturas alimentares
cultivadas, e Carlos Magno as plantava em suas hortas.
No século 17, as ervilhas alcançaram um estatuto
especial em Versalhes, com o famoso "potager du roi" de Luís XIV, a
horta de frutas e vegetais da realeza. Lá, o jardineiro do rei, Jean-Baptiste
de la Quintinie desenvolveu um híbrido de ervilha verde conhecido como
"petits pois". Luís XIV estava obcecado pela horta e gostava de comer
ervilhas cruas. Em uma carta de 1696, madame de Maintenon, que era sua esposa
em segredo, descreve as conversas que se passavam na corte sobre a
"impaciência" para comê-las, o "prazer" de tê-las comido e
a "expectativa" de comê-las novamente. Algumas mulheres da corte,
escreveu ela, "tendo comido e jantado bem com o rei, encontram ervilhas
esperando por elas no quarto antes de irem para a cama – para o risco de
sofrerem indigestão. As ervilhas estão na moda, com toda a força".
Na França, janeiro sinaliza a chegada das endívias, dos
cardos (alcachofras silvestres) e tubérculos como nabo, beterraba e tupinambo
(girassol batateiro). Março e abril trazem a primavera: ervilhas, aspargos e os
primeiros morangos do ano, brilhantes e antiquados. Os melhores tomates aparecem
em junho, julho e agosto. Na horta do L'Oustau, longas filas de pés de ervilhas
cheias de vagens aguardavam a colheita.
Na cozinha, o chef Sylvestre Wahid colocou sobre a mesa
uma cesta de vime larga e rasa, cheia de ervilhas, e nos deu uma aula. Aprendi
que quanto menor a ervilha, mais doce e mais macia ela é; que vagens grossas e
muito cheias podem indicar que as ervilhas se tornaram duras e granulosas,
tendo passado do ponto; que uma das maneiras de testar o frescor das ervilhas é
pressionar a vagem e movimentá-las suavemente (as ervilhas frescas produzem um
ruído áspero quando são friccionadas).
Naquele dia, tudo o que eu desejava no almoço era a
simplicidade de “petits pois” frescos. Contudo, nós começamos com pernas de rã
em um mousse de queijo parmesão; em seguida, filés de vermelho com tomates,
flores de manjericão, tomilho e vinagrete, servidos com um Domaine Hauvette branco
2008 de Alpilles. Comemos pombo assado com beterrabas e nabos com mel de
lavanda, servidos com um tinto Affectif de Baux 2006, feito por Charial.
Terminamos com um sorvete de framboesa com merengues decorados com morangos,
framboesas, manga, toranja e coco, e uma torta de maçã e banana com sorvete de
banana.
No meio da refeição, o garçom trouxe recipientes em
forma de V totalmente repletos de ervilhas brilhantes, preparadas à moda
antiga: nadando em uma espuma de manteiga e temperados com quadradinhos de
"poitrine paysanne" (bucho de porco). Não há necessidade de
equilibrar essas ervilhas em garfos delicados. Nós as comemos com colheres e
entusiasmo. "Não há nada de excepcional em cozinhá-las – tudo se resume à
qualidade e ao frescor", disse Charial. "Os ‘petits pois’ são
símbolos da França. Eles anunciam a vinda do sol, a primavera. Nós podemos
comer caviar em qualquer lugar. Nova York, Hong Kong, Londres. Para mim, os
‘petits pois’ são o meu caviar."
De volta a Paris, eu estava pronto para uma aula
avançada de preparo de ervilhas. Fui até o Guy Savoy, restaurante classificado
com três estrelas pelo guia Michelin, perto do Arco do Triunfo, onde o chef
executivo Laurent Soliveres estava descascando, fervendo e fazendo purê e suco
de ervilhas na cozinha. Ele mergulhou brevemente as ervilhas em água fervente
com sal e, em seguida, em uma tigela com água gelada para cozinhá-las “al
dente”, mantendo o brilho da cor verde.
Ele me mostrou como descascar ervilhas, pressionando
suavemente e girando cada uma entre os meus dedos. Também me ensinou a tornar
as vagens de ervilha comestíveis, descascando cuidadosamente a dura e
translúcida membrana interior com uma faca afiada. "Aprendi isso com minha
mãe e minha avó", disse Soliveres. "É um trabalho de paciência."
Os resultados? Primeiro, um prato que Savoy chama de
"tous les pois" – "todas as ervilhas" –, que mescla três
texturas e sabores de ervilha. Uma base levemente gelatinizada, feita com suco
de ervilha recém-espremido, cobria o fundo do prato. Ervilhas verde-esmeralda
cozidas “al dente” rodeavam uma porção aveludada de purê de ervilha, coberta
com um pequeno ovo pochê e decorada com brotos de agrião e folhas de shissô
roxo. Em seguida, Savoy e Soliveres se divertiram transformando vagens de
ervilha em barquinhos comestíveis e crocantes, enchendo-os com ervilhas. Eles
foram servidos com codorna ao molho de soja.
Existem outras possibilidades maravilhosas para as
ervilhas, disseram eles: sopa fria de ervilha com menta, naturalmente, e o
sorvete de ervilha que tornou o chef Guy Martin famoso. E quanto às mágicas da
gastronomia molecular, que usa aeradores e defumadores para desconstruir e
reconstruir alimentos, criando até mesmo pequenas bolas verdes com emulsões e
géis? "Isso é a destruição da natureza", disse Savoy. "Não é uma
ervilha."
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