Retratos do gosto. Quem já ouviu falar? É uma marca e
um movimento. Chefs unem-se a produtores, pequenos, e começam a assuntar como
melhorar alguns produtos. Por exemplo, um miniarroz foi o que o chef Alex Atala
conseguiu produzir com Chicão e sua esposa, Rosinha Ruzene, que lidam com isso
há tempos, em Pindamonhangaba, no Vale do Paraíba. Por sinal, é bonito ver as
plantações de arroz nas várzeas do Vale.
Tinha em minha cabeça uma história que confirmei na
internet: foi coisa dos monges trapistas o início do aproveitamento das várzeas
para o cultivo do arroz. Sobre os trapistas também mais uma curiosidade: são
bons de cerveja. Uma das melhores do mundo, em minha modesta opinião, é a belga
Chimay. Não sei até que ponto os monges ainda se envolvem na fabricação,
considerando que a Chimay ganhou o mundo. Há muitos anos escrevi por aqui que a
espuma dessa cerveja era capaz de sustentar um bebê prematuro.
Sobre o arroz míni e o movimento Retratos do Gosto. O
arroz é muito bom. Não concordei com a descrição de “leve aroma floral” que
está na embalagem. Na minha boca ele veio com um pouco de fumaça, um defumado
muito, muito delicado, quase um tabaco com madeira. Sua textura é mais macia
que a do arroz vulgar, mas seus pequenos grãos parecem trazer mais diversão à
boca.
Também outra coisa que não bateu: a instrução sugere
dois copos e meio de água para cada copo de arroz. Fiz desse jeito e empapou.
Fiz com duas medidas apenas e deu certinho. Um puro, pra se comer de colherada
com bom azeite.
Fazer o quê? Eu gosto disso. E já que comecei vou
adiante: adoro assaltar a geladeira na madrugada e pegar um naco de arroz.
Odeio, confesso, ter de escovar os dentes depois.
Além do puro teve um com camarão. Camarão fresco, rosa,
com azeite e alho. Sobrou e eu imaginei que bolinho espetacular ele daria. Pena
que ficou na casa de minha filha. Comentei com ela no dia seguinte, mas já era
tarde demais.
Dizem que o Alex não ganha nada com isso. Mentira.
Ganha um arroz sensacional para trabalhar. E, sem brincar, entendam como
funciona Retratos do Gosto: o produtor recebe apoio financeiro para desenvolver
a ideia que um chef pode ter sugerido: um milho especial e derivados são outros
exemplos que têm a parceira da chef Heloísa Bacellar com Diego Badaró. Um
feijão que eu ainda não provei teve a “curadoria” de Helena Rizzo e Daniel
Redondo.
As comunidades envolvidas na produção estarão sempre
auxiliadas por ações sociais necessárias. Se der lucro, 25% voltam para o
produtor, que também terá recebido, durante o processo, uma justa remuneração
pelo trabalho. Em breve teremos também um embutido de carne de queixada, o
porco selvagem, preparado pelo chef André Mifano. A empresa por trás da ideia é
a MIE, que também produz os iogurtes Delicari. Para os poucos privilegiados que
leem o Refogado ao longo de 11 anos, esse assunto é antigo. Incentivar o
pequeno produtor é a melhor maneira de melhorar a qualidade de nossas
matérias-primas.
O que ainda falta é encontrar um preço mais justo.
Ainda são produtos muito caros. Que jamais chegarão ao preço dos primos do dia
a dia, sabemos. Aliás, é bem provável que comecem a surgir, como os enochatos,
os agrochatos que vão sentir aroma de baunilha e frutas maduras em feijão e
farinha de milho com retrogosto marcante. Fiz exatamente isso linhas acima.
Que venham, pois isso significará que Retratos do Gosto
prospera e que mais e melhores produtos estarão à disposição.
E mais uma profecia: chegará o dia que ouviremos
comentário semelhante a esse: “A Maria Eduarda é muito exibida. Fez um jantar
para cem pessoas, sentadas, à francesa e só serviu arroz, feijão e farinha
gourmet!” E a amiga dirá: “Estão nadando
em dinheiro!”
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